A propósito do Dia Internacional das Montanhas (11 de Dezembro)

2014-12-10

Este ano dedicado ao tema "agricultura de montanha".

Do site da FAO:  "Este ano, o tema do Dia Internacional da Montanha é Agricultura de Montanha. Aqui temos uma oportunidade de aumentar a consciência sobre como a agricultura de montanha, que é predominantemente da agricultura familiar, tem sido um modelo de desenvolvimento sustentável ao longo dos séculos." 

Leiam o texto do nosso Amigo Zé Maria Saraiva, que o CAAL enviou à UIAA (União Internacional das Associações de Alpinismo) da qual o nosso Clube é membro:

MONTANHAS COM GENTE

 

            A Serra da Estrela localiza-se no centro de Portugal, sendo o maior maciço montanhoso e o mais elevado do continente português. A sua importância motivou a criação pelo Estado Português do primeiro Parque Natural do país com o fundamento de que se tratava de “uma região de característica economia de montanha, onde vive uma população rural que conserva hábitos e formas de cultura local que interessa acautelar e promover”. Foi ainda razão determinante a subsistência de “refúgios de vida selvagem e de formações vegetais endémicas de importância nacional”, assim como “um extraordinário componente natural de grande valor paisagístico”, entre outras singularidades excepcionais.

            É um facto que o ambiente montanhoso condicionou técnicas de construção urbana, equipamentos e vias de comunicação, implicando para os seus habitantes dificuldades que os forçou a uma adaptação ao meio, de que resultou uma interdependência e interligação que permitiu preservar um património que a actualidade quer manter e preservar. A aprendizagem que o homem foi obtendo através do contacto directo com o ambiente natural de montanha, originou um património paisagístico e cultural, implícito numa simbiose difícil de contrariar e que importa defender e valorizar.

            Seria legítimo esperar que as orientações e os apoios do Estado incidissem sobre os valores que originaram a promoção da Serra da Estrela a Parque Natural. Mas a realidade tem vindo a demonstrar que não foi isso que aconteceu e ocorre no presente. Daí que a ausência de medidas de apoio que beneficiem e melhorem as condições de vida e trabalho de quem vive e desenvolve práticas agrícolas e pastoris na montanha, contribua para que o abandono destas actividades tenha aumentado e, com isso, tenham ocorrido alterações substanciais na paisagem da Serra da Estrela com o crescimento dos matos e a provável diminuição da biodiversidade.

É evidente que o baixo nível de instrução e a avançada idade dos agricultores e pastores da Serra da Estrela contribuíram para que a sua representação não se fizesse notar junto dos diversos poderes. Tal realidade deveria ter merecido desses mesmos poderes institucionais uma especial atenção no sentido de um acompanhamento mais próximo dos verdadeiros “arquitectos” da paisagem serrana, para que antecipadamente se fossem apercebendo dos fenómenos que vinham a sentir-se desde os primórdios dos anos 60, do século passado, com o surto migratório que desertificou os campos do país e, particularmente, da Serra da Estrela.

            Uma outra razão, que não tem despertado a atenção dos vários organismos com responsabilidade administrativa na Serra da Estrela, resulta na falta de acompanhamento aos agricultores/pastores de montanha, nomeadamente na melhoria da habitabilidade, tendo em conta que as condições em que ainda (sobre)vivem são sub-humanas na medida em que a terra, na sua generalidade e em particular nos Casais de Folgosinho, a maior altitude, não lhes pertence. E quando as entidades procuram ajudar estas famílias com o fornecimento de energia eléctrica ou com vias de acesso melhoradas, não têm o cuidado de avaliar o impacto que tais “benesses” podem causar, e já causaram, no aumento das rendas pelos donos (absentistas) das terras em função das mais-valias de projectos que derivam de financiamento público e/ou comunitário (UE)!

        Mas se as ajudas não chegam aos que labutam na Serra da Estrela, as dificuldades têm tendência para aumentar com a saída de nova legislação, nomeadamente no que respeita à prevenção dos fogos florestais.

           Sendo uma evidência que o cultivo dos campos é o melhor garante para a prevenção e controlo dos fogos florestais, as novas regras de imposição de uma distância de 50 metros ao extremo das propriedades vizinhas, para qualquer obra destinada à prática da actividade agrícola ou pastoril, em parcelas de terreno que não têm, em muitos casos, 30 metros de largura, vai causar ainda maior abandono dos campos e a consequente invasão dos mesmos pelos matos, provocando a continuidade da biomassa combustível.

           Há hoje a suspeita por parte da população rural e de montanha de que os organismos locais e regionais não possuem poder para decidir sobre matérias que são fundamentais para desenvolver as suas actividades. Existe, presentemente, a percepção de que tudo se decide na capital e nas secretarias, onde o desconhecimento sobre as realidades do que se passa no interior do país, e na Serra da Estrela em particular, é uma evidência inquestionável.

            Se a situação actual não tiver uma inversão, o futuro para esta região de montanha será negativo e daí decorrendo alterações profundas na paisagem, nas dinâmicas e na perda das práticas agro-pecuárias tradicionais, mas também no aumento dos riscos de incêndios florestais de maiores dimensões, com custos incomensuráveis, quer na perda da biodiversidade, quer no incremento da desertificação no interior profundo do país.

J. Maria Saraiva

(Dezembro de 2014)