Este ano dedicado ao tema "agricultura de montanha".
Do site da FAO: "Este ano, o tema do Dia Internacional da Montanha é Agricultura de Montanha. Aqui
temos uma oportunidade de aumentar a consciência sobre como a
agricultura de montanha, que é predominantemente da agricultura
familiar, tem sido um modelo de desenvolvimento sustentável ao longo dos
séculos."
Leiam o texto do nosso Amigo Zé Maria Saraiva, que o CAAL enviou à UIAA (União Internacional das Associações de Alpinismo) da qual o nosso Clube é membro:
MONTANHAS COM
GENTE
A Serra da Estrela localiza-se no
centro de Portugal, sendo o maior maciço montanhoso e o mais elevado do
continente português. A sua importância motivou a criação pelo Estado Português
do primeiro Parque Natural do país com o fundamento de que se tratava de “uma região de característica economia de
montanha, onde vive uma população rural que conserva hábitos e formas de
cultura local que interessa acautelar e promover”. Foi ainda razão
determinante a subsistência de “refúgios
de vida selvagem e de formações vegetais endémicas de importância nacional”,
assim como “um extraordinário componente
natural de grande valor paisagístico”, entre outras singularidades
excepcionais.
É um facto que o ambiente montanhoso
condicionou técnicas de construção urbana, equipamentos e vias de comunicação,
implicando para os seus habitantes dificuldades que os forçou a uma adaptação
ao meio, de que resultou uma interdependência e interligação que permitiu
preservar um património que a actualidade quer manter e preservar. A
aprendizagem que o homem foi obtendo através do contacto directo com o ambiente
natural de montanha, originou um património paisagístico e cultural, implícito
numa simbiose difícil de contrariar e que importa defender e valorizar.
Seria legítimo esperar que as
orientações e os apoios do Estado incidissem sobre os valores que originaram a
promoção da Serra da Estrela a Parque Natural. Mas a realidade tem vindo a
demonstrar que não foi isso que aconteceu e ocorre no presente. Daí que a
ausência de medidas de apoio que beneficiem e melhorem as condições de vida e
trabalho de quem vive e desenvolve práticas agrícolas e pastoris na montanha,
contribua para que o abandono destas actividades tenha aumentado e, com isso, tenham
ocorrido alterações substanciais na paisagem da Serra da Estrela com o
crescimento dos matos e a provável diminuição da biodiversidade.
É evidente que
o baixo nível de instrução e a avançada idade dos agricultores e pastores da
Serra da Estrela contribuíram para que a sua representação não se fizesse notar
junto dos diversos poderes. Tal realidade deveria ter merecido desses mesmos
poderes institucionais uma especial atenção no sentido de um acompanhamento
mais próximo dos verdadeiros “arquitectos” da paisagem serrana, para que
antecipadamente se fossem apercebendo dos fenómenos que vinham a sentir-se
desde os primórdios dos anos 60, do século passado, com o surto migratório que desertificou
os campos do país e, particularmente, da Serra da Estrela.
Uma outra razão, que não tem
despertado a atenção dos vários organismos com responsabilidade administrativa
na Serra da Estrela, resulta na falta de acompanhamento aos
agricultores/pastores de montanha, nomeadamente na melhoria da habitabilidade,
tendo em conta que as condições em que ainda (sobre)vivem são sub-humanas na
medida em que a terra, na sua generalidade e em particular nos Casais de Folgosinho,
a maior altitude, não lhes pertence. E quando as entidades procuram ajudar estas
famílias com o fornecimento de energia eléctrica ou com vias de acesso melhoradas,
não têm o cuidado de avaliar o impacto que tais “benesses” podem causar, e já
causaram, no aumento das rendas pelos donos (absentistas) das terras em função
das mais-valias de projectos que derivam de financiamento público e/ou
comunitário (UE)!
Mas se as
ajudas não chegam aos que labutam na Serra da Estrela, as dificuldades têm
tendência para aumentar com a saída de nova legislação, nomeadamente no que
respeita à prevenção dos fogos florestais.
Sendo uma evidência que o cultivo
dos campos é o melhor garante para a prevenção e controlo dos fogos florestais,
as novas regras de imposição de uma distância de 50 metros ao extremo das
propriedades vizinhas, para qualquer obra destinada à prática da actividade
agrícola ou pastoril, em parcelas de terreno que não têm, em muitos casos, 30
metros de largura, vai causar ainda maior abandono dos campos e a consequente
invasão dos mesmos pelos matos, provocando a continuidade da biomassa
combustível.
Há hoje a
suspeita por parte da população rural e de montanha de que os organismos locais
e regionais não possuem poder para decidir sobre matérias que são fundamentais
para desenvolver as suas actividades. Existe, presentemente, a percepção de que
tudo se decide na capital e nas secretarias, onde o desconhecimento sobre as
realidades do que se passa no interior do país, e na Serra da Estrela em
particular, é uma evidência inquestionável.
Se a situação actual não tiver uma
inversão, o futuro para esta região de montanha será negativo e daí decorrendo alterações
profundas na paisagem, nas dinâmicas e na perda das práticas agro-pecuárias tradicionais,
mas também no aumento dos riscos de incêndios florestais de maiores dimensões,
com custos incomensuráveis, quer na perda da biodiversidade, quer no incremento
da desertificação no interior profundo do país.
J. Maria Saraiva
(Dezembro
de 2014)